terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Essa e outras Estórias

Acordara mais cedo do que de costume naquele dia, talvez devido à agitação diferente que rondava a casa naquela manhã. Suas tias e alguns primos haviam chegado pouco antes das 08 horas, pois ela se lembrava de ter olhado para o relógio e sentar na cama irritada com todas aquelas vozes e risadas; tão cedo, ela pensou. E ali ficou, sentada por muito tempo (pelo menos em sua concepção) e só então se lembrou de que aquele era o último dia do ano. Dia 31; é claro, só podia ser, com tanta gente na casa, crianças gritando e os carros saindo para fazer as últimas compras para a ceia. Era a mesma agitação de sempre, como é no Natal, e desde que ela nasceu e desde que ela se lembra de sua infância, é assim. Não que ela achasse isso ruim, mas às vezes ela apenas sentia que aquilo era uma bobagem - agradável, mas ainda assim uma bobagem - ela cresceu envolvida com a euforia dos feriados e datas comemorativas, e grande vocação dos pais para receber amigos e fazer festas em casa. Mas, de repente, ali sentada em sua cama, ainda um pouco sonolenta, sentira-se tomada de uma tristeza ou outro sentimento estranho que ela de imediato não conseguira identificar. Era um medo estranho e nostálgico que lhe fez pensar sobre uma série de coisas inúteis como "preciso mudar meu corte de cabelo". Ela sentia-se como quando se prende a respiração antes de um mergulho, cheia, mas sem poder dizer nada, sem poder esvaziar, com um contâiner cheio de àgua atravessando um Oceano. Sentiu um peso sobre seus ombros e naquele momento a única sensatez que pôde ter foi a de deitar-se e tentar dormir novamente. Ano Novo, Reveillon, ela pensou. Ela gostava das festas, da família, das reuniões, das crianças. Não era esse o problema, era algo além de seu poder inventivo de detectar e resolvê-los - eles, os problemas. Ela agora passara a se sentir vazia, com um contâiner quando descarrega. Livre de toda a pressão, livre (até de mais, ela pensou). Uma das substâncias mais estranhas que ela já sentira correndo e corroendo a elas, suas entranhas. Ela sentia aquilo tudo não na alma; como cantavam os poetas, mas nas profundezas, como cantava Beethoven. Não, Beethoven não era o nome de seu passarinho, era o próprio, pelo qual ela sentia grande paixão e compulsão e êxtase. Mas naquele momento, após passar pelo tudo (quase entrando em erupção) e pelo nada (seca como uma folha no outono) ela sentia agora uma raiva imensa, sem ternuras ou doçuras. "Porque é que eu estou tendo esses ataques de lirismos, doçuras, ternuras, assim de repente? É só mais um dia 31" ela pensou. Talvez ela até já tivesse se esquecido de como é ser sempre lírica, fazendo poesia de tudo o que via. E levantou-se, mas só para colocar algo em sua velha vitrola vermelha a fim de quem sabe, acalmar-se, e cambaleou de volta até a cama, servindo-se de um copo de àgua, para aliviar seus pensamentos. Caía uma chuva fina lá fora, com um forte sol que entrava pela cortina entreaberta, com um convite ao dia lindo que crescia. Mais um ano, murmurou tão baixo que nem as paredes puderam ouvi-la. Londres, ela pensou, em seus próximos anos, nos que estavam ficando pra trás, não abandonados para trás, mas sim acumulando-se em suas gavetas, caixas, rugas. "E agora?" Dessa vez as paredes a ouviram, mas não pareceram responder, talvez nem elas que desde sempre presenciaram aos existencialismos e lirismos da menina soubessem (do agora, do próximo passo). Sempre tenha planos e metas, e siga-os arduamente, era o que dizia sua mãe. Mas agora esses planos pareciam tão vagos e tão distantes e tão sem gosto, que ela pensou não ter mais planos. Talvez nunca os tenha cultivado. Talvez não seja preciso cultivá-los mas sim cativá-los para que eles se mostrem, para que saiam de dentro de si como sai um palhaço de dentro de uma dessas caixinhas. Ela não sabia, não fazia a menor idéia. Medo, foi o que sentiu e uma vontade imensa de voltar a ser criança para não ter que, por fim se preocupar. O Ensino Médio agora estava concluído e os vestibulares passados, mas ela não. Não por falta de capacidade, mas pela indecisão; e acreditem, se cada ser humano carrega consigo um carma, esse era o dela. Teria novamente que encarar a tudo aquilo que ela acreditava ter deixado pra trás. E novamente pensar no que fazer, em qual curso escolher, condenando-se a essa classe que ela tanto repudiava, a essas pessoas que estavam presas numa etapa da vida que devia ser só mais uma, e não decisiva, como eles faziam ser. Ela não queria se tornar uma deles, enclausurada ao que ela constantemente tentava definir, sempre em vão. Momentos difíceis a aguardavam, ela sentiu. E era bem mais do que ter que picar cebolas para sua mãe durante a manhã para preparar o que seria servido na ceia ou então ajudar seu pai com a seleção dos discos que iriam tocar durante a festa, ou então ter que cuidar de seus primos durante a tarde enquanto suas tias iam ao shopping. Ela se sentira desamparada e desiludida como a muito tempo não se sentia, aliás, acredito eu que ela nunca tenha se sentido (e realmente estado) tão solitária como nesses novos tempos que começavam a chegar. Em partes, o presente de sua irmã fazia parte dessa corrente de sentimentos que subitamente a invadira naquela manhã. Um presente muito especial, de fato. "Aos meus amigos, não acredito! Eu queria esse livro a tanto tempo, muito obrigada, Te Amo". Depois de uma semana de leitura, já que havia sido um presente de natal, ela já era parte do livro, assim como depois de assistir ao primeiro capítulo da minissérie ela já se encontrava tomada dos mesmos sentimentos que contagiavam Léo e sua "família". E olha, devo lhe dizer, que eram muitos sentimentos, muitos temperamentos e opiniões e discussões e discursos que se tornavam ainda mais reais no livro, afinal é o que alguns livros fazem - os melhores, na opinião dela - nos deixam em Carne Viva. De repente ao som de alguma música calma e anestesiante de Elis ela sentiu-se incrivelmente renovada a ponto de levantar-se e quase esquecer-se dos devaneios que acabara de ter. Essa era uma notável qualidade que ela soubera sempre aproveitar, a de se renovar. Não era dessas de chorar horas por fatos irremediáveis, seguia em frente e só. É véspera de Ano Novo - pensou aliviada. Ao abrir a porta do quarto e descer as escadas sentira-se imediatamente contagiada pela energia de todos e por fim, quando era noite já nem se lembrava mais de sua manhã "turbulenta e calma" e enfim, que venha 2009 ela pensou, não há nada que não se possa resolver.


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